He terminado de leer, hoy martes, el libro de García Márquez: "Memoria de mis putas tristes" (2004) y después de tomar unas notas en mi cuaderno de hojas de papel reciclado, decido compartir con los lectores de este blog la página 67 de esta historia de amor entre un anciano de noventa años y una ninfa adormecida en su eterna adolescencia. El estilo inconfundible de Gabo, exuberante y barroco se desborda a lo largo de las páginas de esta novela crepuscular y radiante como el sol de agosto. Espero que os guste, tanto como a mí.
(...) "O estrépito da água e o uivo do vento ganharam força no parque. De repente, um relâmpago fantasmagórico e seu trovão simultâneo impregnaram o ar de um forte cheiro de enxofre, o vento desbaratou as vidraças da varanda e a tremenda borrasca de mar arrebentou as fechaduras e se meteu dentro da casa. E no entanto, antes que se passassem dez minutos escampou de repente. Um sol esplêndido secou as ruas cheias de escombros encalhados, e voltou o calor.
Quando o aguaceiro passou eu continuava com a sensação de que não estava sozinho na casa. Minha única explicação é que da mesma forma que os fatos reais são esquecidos, também alguns que nunca aconteceram podem estar na lembrança como se tivessem acontecido. Pois se evocava a emergência do aguaceiro não me via a mim mesmo sozinho na casa, mas sempre acompanhado por Delgadina. Eu a havia sentido tão perto durante a noite que sentia o rumor de seu respirar no quarto de dormir, e a pulsação de sua face em meu travesseiro. Só assim entendi que tivéssemos podido fazer tanto em tão pouco tempo. Eu me lembrava de ter subido no escabelo da biblioteca e a recordava desperta com seu vestidinho de flores recebendo os livros para colocá-los a salvo. Via como ela corria de um lado a outro na casa batalhando com a tormenta, empapada de chuva e com água pelos tornozelos. Recordava como preparou no dia seguinte o café da manhã que nunca houve, e que pôs a mesa enquanto secava o chão e punha ordem no naufrágio da casa. Nunca esqueci seu olhar sombrio enquanto tomávamos o café da manhã: Por que você me conheceu tão velho? Respondi com a verdade: A idade não é a que a gente tem, mas a que a gente sente. Desde então a tive na memória com tamanha nitidez que fazia dela o que queria. Mudava a cor de seus olhos conforme o meu estado de ânimo: cor de água ao despertar, cor de açúcar queimado quando ria, cor de lume quando a contrariava. E a vestia para a idade e a condição que convinham às minhas mudanças de humor: noviça apaixonada aos vinte anos, puta de salão aos quarenta, rainha da Babilónia aos setenta, santa aos cem. Cantávamos duetos de amor de Puccini, boleros de Agustín Lara, tangos de Carlos Gardel, e comprovávamos uma vez mais que aqueles que não cantam não podem nem imaginar o que é a felicidade de cantar. Hoje sei que não foi uma alucinação, e sim um milagre a mais do primeiro amor da minha vida aos noventa anos."
de "Memória de minhas putas tristes" de Gabriel García Márquez, 2004
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